Como um escritório especializado em atender pequenas e médias empresas, percebemos que muitos clientes optam por estruturar suas contratações no modelo Pessoa Jurídica (“PJ”) em vez da tradicional Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”), por motivos óbvios, como redução de encargos trabalhistas e maior flexibilidade na relação comercial. No entanto, um erro recorrente é a manutenção de uma cultura de gestão CLT, com estrutura de RH tratando os PJs como empregados e, pior, com instrumentos jurídicos mal redigidos que não refletem a verdadeira natureza dessa relação.

O problema é que a Justiça do Trabalho adota o princípio da primazia da realidade, ou seja, o que realmente acontece no dia a dia da relação prevalece sobre o que está escrito no contrato. Se um profissional formalmente contratado como PJ for tratado como um empregado, a empresa pode ser alvo de ações trabalhistas e ter o vínculo empregatício reconhecido judicialmente, acarretando encargos, multas e passivos retroativos.

Para evitar esse risco, é essencial que os contratos sejam bem estruturados, garantindo a independência do prestador de serviço e evitando elementos que possam caracterizar vínculo empregatício. Aqui estão os principais erros cometidos na contratação de PJs e como evitá-los, com exemplos práticos para melhor compreensão.

  1. Evitar nomenclaturas típicas de emprego

Correto: “Consultor de Marketing”

Errado: “Coordenador de Marketing”

Se um PJ recebe um cargo como “Gerente”, “Coordenador” ou “Diretor”, isso pode ser interpretado como inserção na hierarquia da empresa, caracterizando subordinação. O ideal é utilizar termos que reforcem sua independência, como “Consultor”, “Especialista ” ou “Prestador de Serviços “.

Exemplo de risco: Um desenvolvedor PJ que consta no organograma da empresa como “Líder de Tecnologia” pode ter reconhecido o vínculo empregatício.

  1. Garantir ausência de subordinação

Correto: “O prestador de serviços definirá sua metodologia e organização do trabalho para atender às entregas estipuladas no contrato.”

Errado: “O contratado deve cumprir ordens da liderança e seguir as diretrizes estabelecidas pela empresa.”

O contrato deve estabelecer resultados esperados e prazos, sem controle rígido sobre como o trabalho será executado.

Exemplo de risco: Se um designer PJ precisa “bater ponto” ou receber aprovação diária de um gestor, isso pode configurar subordinação.

  1. Remuneração desvinculada de benefícios trabalhistas

Correto: “O pagamento pelos serviços prestados será realizado mediante emissão de nota fiscal.”

Errado: “O contratado receberá R$ 10.000,00 mensais, além de plano de saúde, vale-refeição e bônus.”

PJs não devem receber benefícios típicos da CLT, pois isso pode indicar uma relação de emprego disfarçada.

Exemplo de risco: Um analista de dados PJ que recebe vale-alimentação e 13º salário pode futuramente pleitear direitos trabalhistas.

  1. Liberdade para prestar serviços a terceiros

Correto: “O prestador poderá oferecer seus serviços a outras empresas, sem exclusividade, salvo ajuste específico em contrato.”

Errado: “O contratado não pode atuar para nenhuma outra empresa durante a vigência do contrato.”

Se um PJ só pode trabalhar para uma única empresa, isso pode indicar dependência econômica e levar ao reconhecimento de vínculo empregatício.

Exemplo de risco: Um jornalista contratado como PJ que é impedido de atuar para outros clientes pode ter seu vínculo trabalhista reconhecido.

  1. Clareza na definição do escopo do serviço

Correto: “O consultor entregará 10 artigos por mês sobre tendências do mercado financeiro, conforme cronograma acordado.”

Errado: “O contratado desempenhará as atividades definidas pelo chefe imediato conforme demanda interna.”

O contrato deve definir entregáveis e prazos, evitando termos vagos que permitam controle contínuo sobre a execução do trabalho.

Exemplo de risco: Se um desenvolvedor contratado como PJ recebe tarefas diárias do gestor e precisa prestar contas constantemente, isso pode configurar subordinação.

  1. Relação comercial entre empresas

Correto: “As partes possuem relação estritamente comercial e este contrato não gera qualquer vínculo empregatício.”

Errado: “O contratado deve seguir as normas internas da empresa e se reportar ao RH para suas demandas.”

Uma empresa não deve tratar um PJ como funcionário, impondo regras de vestimenta, horários ou justificativas de ausência.

Exemplo de risco: Se um prestador de serviço precisa seguir código de vestimenta corporativo ou comparecer diariamente ao escritório, isso pode ser interpretado como vínculo empregatício.

  1. Evitar dependência exclusiva da contratante

Correto: “O contrato terá vigência de seis meses, podendo ser renovado mediante novo acordo entre as partes.”

Errado: “O contratado exercerá suas funções por prazo indeterminado, sendo a rescisão sujeita às mesmas regras dos empregados.”

Contratos de PJ não devem ter prazo indeterminado e devem prever remuneração por projeto ou período específico.

Exemplo de risco: Um engenheiro PJ que presta serviços exclusivos para uma empresa há cinco anos consecutivos pode questionar sua relação de trabalho na Justiça.

A contratação de PJs pode ser vantajosa para empresas e profissionais, mas deve ser feita corretamente para evitar riscos trabalhistas.

Muitos negócios ainda seguem uma cultura de gestão tradicionalmente CLT, tratando PJs como empregados, o que pode gerar passivos significativos. O segredo está na redação do contrato e, principalmente, na prática diária da relação comercial.

Ao garantir a independência do prestador de serviço, evitar nomenclaturas hierárquicas, não conceder benefícios típicos da CLT e estabelecer contratos claros e objetivos, as empresas podem usufruir das vantagens da contratação PJ sem correr riscos jurídicos.

 

Maysa Zardo

Maysa Zardo
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