Introdução
O presente texto busca apresentar de forma sintética o conceito de contratos inteligentes (“smart contracts”), destacando sua aplicação pregressa no uso dos códigos presentes nas máquinas automáticas de refrigerantes que começou nos EUA e tornou-se comum em todo mundo, acompanhando seu desenvolvimento até o mais moderno conceito de “smart contracts” que são os contratos auto-executáveis desenvolvidos em tecnologia blockchain, onde se demonstrará, por fim, que este novo formato de pacto privado de vontades já possui lugar cativo em nossa sociedade moderna e sua importância torna-se cada vez maior para empresas, consumidores e operadores do direito.
Os Contratos Inteligentes (“Smart Contracts”) e Sua Aplicação
Embora os contratos inteligentes sejam uma inovação na forma de se estabelecer o acordo de vontades privado entre as partes, os princípios que desenvolvem esse tipo de relação contratual já são comumente aplicados em nosso dia a dia e não representam uma nova modalidade contratual no direito pátrio brasileiro, pertencendo aos contratos já descritos no Código Civil, mantendo-se o conceito doutrinário da escada ponteana, esculpido pelo célebre jurista Pontes de Miranda e que estabelece até os nossos dias os requisitos de existência, validade e eficácia dos negócios jurídicos.
Para falar sobre os modernos contratos inteligentes (“smart contracts”), é preciso retornar brevemente na história para conhecermos seu antepassado comum, que são as máquinas automáticas de venda de refrigerantes, que foram popularizadas nos Estados Unidos, mas muito comuns hodiernamente em todo o mundo. Tais máquinas, que são mais conhecidas como “vending machines”, foram as formas mais primitivas conhecidas do uso do formato técnico dos smart contracts.
A lógica estabelecida nos contratos inteligentes é facilmente observada na programação apresentada quando vamos comprar algo numa “vending machine”. A formalização do negócio é feita mediante um protocolo criado para programar as ações da máquina, que ao receber determinado valor seguido da escolha de determinado item, segue com a liberação do mesmo para o cliente, sem que haja a elaboração de um instrumento formal de manifestação de vontade entre as partes.
Nos contratos inteligentes (“smart contracts”), também se apresenta o mesmo protocolo programado para realizar uma tarefa quando uma premissa for cumprida. Esses protocolos são na verdade algoritmos que são registrados em uma máquina e ficam disponíveis através da tecnologia de blockchain[1].
A forma de funcionamento dos smart contracts faz com que sua principal atividade seja percebida no momento da execução dos contratos e menos na formação destes, permitindo que aquilo que fora devidamente acordado entre as partes seja traduzido em códigos computacionais, seguindo a lógica IFTTT (“If This Than That)” que em tradução livre seria: “Se Isso Então Aquilo”, seja executada ao final de uma série de premissas que foram sendo observadas sem nenhum tipo de envolvimento humano. Cumprindo, dessa maneira, o acordo de vontades avençado entre as partes.
Os Contratos Ricardianos ou Contratos Auto-Executáveis
Os contratos Ricardianos que são também conhecidos como “self driven contracts”, ou contratos auto-executáveis, são descritos como o novo estágio dos smart contracts, pois enquanto esses trabalham a lógica “IFTTT (If This Than That)” “Se Isso Então Aquilo” limitando-se a aspectos predefinidos e imutáveis expostos ao conhecimento das partes através dos códigos que criam a relação contratual entre si, daí procede a afirmação “code is law” (o código é a lei); naqueles os termos contratuais serão acordados genericamente pelas partes mas traduzidos e codificados pela máquina ou preenchidos em suas próprias lacunas, sem intervenção humana.
Dessa maneira, nos contratos Ricardianos, se permite uma maior liberdade da inteligência artificial para definição dos parâmetros que serão aceitos pelas partes como cláusulas dos contratos. Tais cláusulas serão preenchidas automaticamente sem a participação das partes que, previamente, já aquiesceram sobre os possíveis elementos do contrato. Para que entendamos melhor a lógica desses contratos, dividimos seu funcionamento como segue: 1) as partes concordam com aspectos genéricos do contrato de forma antecipada (ex ante) que funcionarão como objeto do contrato; 2) o contrato usa análises acionadas por máquina e inteligência artificial para decodificar os objetivos genéricos de forma antecipada (ex ante) em um termo ou diretiva específica no momento da execução; 3) esses termos são baseados em informações coletadas na internet usando Big Data[2] e tendo como referência os oráculos (sites de referência online como o Banco Central do Brasil para definir a taxa de câmbio, por exemplo) que podem ser informados pelas partes ou encontrados na internet. Tudo isso ocorre somente após as partes assinarem o contrato inicial.
Os contratos auto-executáveis são contratos inteligentes na medida em que se utilizam da chamada inteligência artificial para preenchimento automático de suas próprias lacunas. Tal inteligência poderia, de maneira exemplificativa, completar o câmbio do dólar em uma transação que envolvesse um quesito cambial no momento em que o contrato é firmado entre as partes sendo assinado virtualmente; nesse mesmo momento a inteligência artificial faz uma varredura utilizando o big data em contratos semelhantes fechados naquele dia e usando a taxa de câmbio que foi mais utilizada criando um parâmetro para a execução desse contrato.
Os Contratos Inteligentes e Sua Aplicação Prática
A utilização dos smart contracts pode ser verificada em inúmeros segmentos. Na atualidade, são mais recorrentes nas transações envolvendo criptomoedas através da tecnologia blockchain, contudo, não se restringem a essa única utilização podendo ser aplicados em uma pluralidade de relações negociais e num futuro próximo poderíamos imaginar sua utilização de forma mais recorrente em meio ao desenvolvimento de tecnologias que envolvam a internet das coisas, permitindo que a relação de compras seja muito mais ágil e corriqueira como ocorria com as “vending machines” nos primórdios do conceito dos smart contracts, como visto no início desse texto.
A empresa Docusign, que é uma das maiores empresas globais de gestão de contratos virtuais, aponta as áreas com maior propensão para o desenvolvimento dos smart contracts e passamos a apresentar, de forma resumida, algumas das principais dessas principais áreas, como segue:
Varejo online – Essa é a área com a maior concentração de uso de smart contracts onde após a confirmação da entrega dos produtos pelos clientes, automaticamente os valores são liberados para a empresa. “Nesse caso, o contrato inteligente pode usar o rastreador dos Correios ou da transportadora envolvida para acompanhar a entrega do produto, que, quando realizada, libera o próprio smart contract a fazer o pagamento ao vendedor”.
Na esfera jurídica – A empresa informa que as partes podem oficializar os documentos judiciais usando ferramentas de controle auto-executáveis. E oferece um exemplo baseado no modus operandi do que já é realizado em vários de seus contratos. Nesse contexto, se uma empresa fez um acordo com um fornecedor para ser indenizada por um serviço incorretamente prestado e a indenização deve acontecer em 15 parcelas, por exemplo, o próprio contrato pode ser dotado de ferramentas para identificar a regularidade do pagamento. No caso de atrasos, é possível emitir um alerta para os setores responsáveis e até aplicar mora.
Mercado de seguros – A DocuSign traz uma projeção de utilização no Brasil usando também o que já se utiliza em outros países e traz o exemplo de um motorista que somente poderá renovar o seguro de seu carro, caso o IPVA já esteja quitado. Pois o contrato inteligente pode ser programado para só autorizar a renovação quando detectar o pagamento do tributo. “No futuro, o smart contract ainda será capaz de entender se o proprietário fez as manutenções programadas pela fabricante e, usando dados de geolocalização, averiguar se um acidente causador de sinistro aconteceu dentro de uma cidade ou um estado coberto pelo seguro.
Conclusão
O uso dos smart contracts já é uma realidade global e já amplamente observada no Brasil. A facilidade da execução de seu objeto entre as partes é um dos aspectos de maior relevância para sua aceitação e aplicação, podendo ser disponibilizado em diversos tipos de negócios.
Como visto, os smart contracts possuem uma utilização muito próxima da automatização do consumo moderno, se iniciado nas “vending machines” e modernamente sendo aplicados através dos contratos Ricardianos (ou auto-executáveis) que usam a tecnologia blockchain em diversos segmentos, como a negociação das moedas digitais como o Bitcoin.
[1] Blockchain pode ser definido como um livro de razão público, conhecido a partir de um sistema distribuído e presente em milhares de computadores que fazem o registro de uma transação válida, de forma que esse registro seja confiável e imutável e sempre atualizável em todos os computadores onde tais registros já existiam.
[2] Podemos definir o big data como a capacidade de administrar um volume enorme de dados diferentes, na velocidade certa e dentro do prazo certo para permitir análise e reações em tempo real.