AS RESOLUÇÕES 519, 520 E 521 E O IMPACTO DIRETO NAS EMPRESAS DE TOKENIZAÇÃO

O Banco Central finalmente publicou o conjunto regulatório que redefine o mercado de ativos virtuais no Brasil. E, embora grande parte da discussão tenha focado nas exchanges, quem realmente vai sentir o impacto — e de forma profunda — são as empresas de tokenização.

Se você estrutura projetos, operacionaliza ofertas privadas, cria tokens, mantém lastro ou oferece plataforma própria, este texto é para você.

  1. O que muda com a Resolução 519

Tokenizar deixou de ser “só tecnologia”. A 519 traz a definição objetiva de quais atividades dependem de autorização do Bacen. O recado é claro: Se a sua empresa intermedeia, recebe recursos, distribui tokens ou toca qualquer parte da operação — mesmo que “temporariamente” — ela se enquadra como VASP.

Em outras palavras:

Modelos que até ontem se vendiam como “somente tecnologia” agora precisam demonstrar, operacionalmente, que não fazem intermediação.

Spoiler: a maioria não consegue.

Impacto direto para tokenizadoras: Plataformas “turn-key” entram no perímetro regulado. Projetos com fluxo financeiro integrado deixam de ser área cinzenta. Infraestrutura de oferta privada passa a ser analisada sob ótica regulatória.

  1. A Resolução 520 aumenta o custo regulatório — e redefine o porte mínimo do setor

Aqui está o maior divisor de águas. Todas as VASPs — inclusive tokenizadoras — precisarão de:

• Três diretores estatutários distintos (risco, compliance e cibersegurança).
• Gestão prudencial típica de instituição financeira.
• Controles internos formais, comitês e auditoria.

E existe um detalhe crucial:

Tokenizadoras que oferecem recompra, liquidez secundária ou market-making passam a ser enquadradas como operações por conta própria. Essa categoria exige cumprimento das normas prudenciais aplicáveis às mesas proprietárias — um salto gigante em custo, governança e estrutura.

Impacto direto:

Pequenas tokenizadoras enfrentam barreiras quase intransponíveis. Modelos com liquidez própria deixam de ser viáveis sem reestruturação profunda. Consolidação do mercado se acelera.

  1. A Resolução 521 acerta no coração do modelo:

Custódia e segregação deixam de ser detalhe. Boa parte das tokenizadoras:

• guarda tokens dos clientes;
• opera carteiras omnibus;
• mantém chaves privadas de investidores;
• retém valores enquanto o lastro é alocado.

A 521 diz que isso agora precisa seguir padrão de instituição financeira, com:

• segregação total de ativos;
• auditoria independente;
• controles de segurança cibernética;
• documentação e logs;
• governança de chaves e carteiras;
• planos de continuidade e resposta a incidentes.

Impacto direto:

• Custódia própria vira operação crítica e cara.
• Terceirização de custódia passa a ser praticamente obrigatória.
• Plataformas precisam reescrever sua arquitetura de infraestrutura.

  1. E o que isso significa, na prática, para o setor de tokenização?

• Modelos “turn-key” terão que se reinventar.
• Fluxos financeiros integrados serão reestruturados ou eliminados.
• Governança e compliance deixam de ser opcionais.
• Auditoria e controles passam a ser exigência funcional.
• A curva de entrada no mercado aumenta — e muito.
• Os players sérios ganham competitividade; os improvisados desaparecem.

  1. O fim da tokenização artesanal — e o início da fase institucional

O Bacen deixou claro que tokenização, no Brasil, não é experimento, é mercado regulado. Para sobreviver ao novo ciclo, as empresas do setor terão que adotar governança real, elevar compliance e PLD, construir fluxo segregado, terceirizar custódia, revisar modelos de negócio, preparar documentação para autorização.

Pode parecer duro — e é.

Mas também abre espaço para um mercado mais robusto, confiável e institucional. A tokenização continua sendo uma das maiores oportunidades do sistema financeiro brasileiro.

Agora, porém, é uma oportunidade para quem está disposto a trabalhar na mesma régua das instituições financeiras.

 

Emília Malgueiro Campos

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