CARTÓRIOS VENCEM A PRIMEIRA BATALHA CONTRA A INOVAÇÃO DIGITAL EM NOVA DECISÃO QUE BARRA TOKENS DE IMÓVEIS

O mercado de ativos digitais imobiliários no Brasil vive um momento decisivo. Em agosto de 2025, duas decisões aparentemente contraditórias deixaram claro o dilema central do país: como equilibrar a promessa da inovação com a necessidade de segurança jurídica.

De um lado, o COFECI abriu as portas com a primeira regulamentação nacional para tokenização de imóveis. De outro, a Corregedoria-Geral da Justiça de Santa Catarina fechou caminhos ao proibir expressamente a vinculação de matrículas imobiliárias a tokens digitais.

Esse contraste mostra bem o estágio em que estamos. A tecnologia avança mais rápido do que a regulação, e isso cria fricções. A tokenização imobiliária é parte de uma tendência global, inevitável e com potencial transformador. Mas, sem clareza regulatória, o risco de paralisação é real.

 

Um passo à frente, um passo atrás

Em 15 de agosto de 2025, o COFECI, Conselho Federal de Corretores de Imóveis, publicou a Resolução nº 1.551/2025, estabelecendo as bases para o que chamou de Sistema de Transações Imobiliárias Digitais. A novidade trouxe figuras institucionais como:

• Plataformas Imobiliárias para Transações Digitais (PITDs): responsáveis pela emissão e negociação dos tokens.
• Agentes de Custódia e Garantia Imobiliária (ACGIs): incumbidos de manter a correspondência entre tokens e direitos reais.
• Um sandbox regulatório de 12 meses, para que modelos inovadores pudessem ser testados em ambiente controlado.

A resolução, segundo o COFECI, busca trazer liquidez, acessibilidade e segurança ao mercado imobiliário, democratizando o acesso a investimentos ao permitir a negociação de frações de imóveis como tokens.

Mas, como destacou o IRIB (Instituto de Registro Imobiliário do Brasil) na sua Nota Técnica CPRI/IRIB nº 01/2025, essa regulamentação vai além das competências legais do COFECI e apresenta inconstitucionalidades formais e materiais, sendo considerada inválida em sua totalidade

Já em 26 de agosto de 2025, a CGJ/SC publicou a Circular nº 410/2025, proibindo que cartórios façam “anotação, averbação ou registro que vincule matrículas imobiliárias a tokens digitais ou representações em blockchain”.

A decisão, amparada em parecer técnico do juiz-corregedor Maximiliano Losso Bunn e assinada pelo desembargador Artur Jenichen Filho, reforçou que a transferência de propriedade só se efetiva com o registro cartorial, conforme o artigo 1.245 do Código Civil. Sem legislação federal específica, qualquer tentativa de vinculação seria uma violação à segurança jurídica e abriria espaço para fraudes, sonegação e litígios.

Projetos anteriores como ReHaus, Oxis e ReitBZ foram citados como exemplos de iniciativas promissoras que falharam por falta de amparo legal e de liquidez

O resultado é um mercado fragmentado. As plataformas credenciadas podem emitir tokens com valor contratual entre as partes, mas esses ativos ainda não têm respaldo oficial no registro imobiliário. É como criar um novo veículo de investimento, mas sem permitir que ele circule pelas principais vias do sistema.

 

O que precisa mudar

O problema central é a ausência de um marco legal federal. Quando cada órgão regula de forma isolada, o resultado é previsível: insegurança, disputas de competência e paralisia. O próprio IRIB já contestou a resolução do COFECI, questionando sua validade jurídica. Esse tipo de conflito só reforça a necessidade de uma lei clara, nacional, que estabeleça parâmetros únicos para todo o mercado.

Mesmo nesse ambiente contraditório, há espaço para avanços. A futura integração com o DREX pode ser um divisor de águas, trazendo liquidez instantânea e eliminando riscos cambiais. Empresas que souberem navegar por esse cenário terão vantagem competitiva. Mas será preciso disciplina: compliance rigoroso, estruturas societárias bem definidas e monitoramento constante do ambiente regulatório.

A tokenização imobiliária é apenas um exemplo de algo maior: a transição para uma economia cada vez mais digital. Quando reguladores criam barreiras em vez de pontes, o custo não é apenas para as empresas, é para o país inteiro, que perde eficiência, transparência e acesso democratizado ao investimento.

A inovação não vai parar. A pergunta é se vamos criar as condições para que ela floresça de forma segura, ou se vamos permitir que o excesso de fragmentação regulatória transforme o Brasil em um espectador, enquanto outros países colhem os frutos.

 

Laércio de Morais Junior

Laércio de Morais
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