O que você REALMENTE precisa saber sobre o Parecer de Orientação nº 40 da CVM sobre criptoativos e o Mercado de Valores Mobiliários
O objetivo desse breve resumo é trazer os aspectos mais importantes do Parecer da CVM, que você realmente precisa estar atento nesse momento. Em primeiro lugar, é necessário esclarecer que a CVM não trouxe qualquer inovação em seu posicionamento nesse Parecer, se limitando apenas a consolidar os entendimentos que vem tendo ao longo do tempo sobre o tema, de forma organizada, o que certamente facilitará o estudo, pesquisa e referência ao assunto.
1.Terminologia e Aplicabilidade
A CVM optou pelo uso da terminologia “criptoativos”, ao invés de “ativos virtuais”, como fez o PL 4140/2020, acertadamente, em nosso entendimento, definindo-os como ativos representados digitalmente e protegidos por criptografia, cujas transações são executadas e armazenadas por meio de tecnologias de registros distribuídos.
A terminologia “ativos virtuais” não nos parece a mais adequada, pois não se aplica a essa tecnologia, sendo muito mais abrangente do que aquilo que se está pretendendo regulamentar nesse caso. Isso porque a utilização de criptografia e tecnologia de registros distribuídos garante atributos à essa tecnologia que são determinantes para sua adoção e não são encontrados em qualquer ativo virtual.
O Parecer também esclarece a aplicabilidade e limite de atuação do Parecer diz respeito apenas aos criptoativos que representem valores mobiliários e que seu objetivo é garantir maior previsibilidade e segurança, nada impedindo que aconteçam modificações posteriores, no caso de novas legislações específicas sobre a matéria e o próprio desenvolvimento da tecnologia.
2.Novas Tecnologias e Regulação
A CVM deixa claro que, não importa o uso de determinada tecnologia, se um ativo representar ou tiver a função de um valor mobiliário, digital ou não, estará sujeito à regulamentação específica. Nesse caso, não é a tecnologia que está sujeita à regulamentação, mas o ativo subjacente.
Ainda que se esteja tratando de um mercado que lide com uma nova tecnologia, serviços já conhecidos no mercado financeiro tradicional também são prestados por empresas nesse segmento, como intermediação, custódia, registro, compensação, liquidação, e estes também estarão sujeitos à regulamentação aplicável a essas atividades quando se relacionarem a valores mobiliários.
3.Taxonomia
Para efeitos do Parecer, a CVM adotou uma taxonomia específica e simplificada, que orientará o tratamento jurídico, seguindo as seguintes categorias:
Token de pagamento: busca replicar as funções da moeda. Nesse caso, a definição trazida pela CVM não nos parece totalmente adequada, pois os tokens de pagamento se prestam a servir como meio de pagamento apenas, e não como moeda, em todas as suas funções.
Token de utilidade: utilizado para adquirir ou acessar produtos ou serviços; e
Token referenciado a ativo: representa um ou mais ativos, tangíveis ou intangíveis, como os Security tokens, as stablecoins e os NFT’s.
O Parecer já informa que a classificação acima não é taxativa ou estanque, bem como que os tokens referenciados a ativos podem ou não representar um valor mobiliário, a depender do ativo subjacente representado. Teoria essa já defendida por nossa sócia Emília Campos em seu livro Criptomoedas e Blockchain, O Direito no Mundo Digital, de 2018, a qual ela denominou “princípio da fungibilidade dos criptoativos”.
Nesse sentido, para se saber qual a natureza dos tokens referenciados a ativos, é importante analisar caso a caso, o papel desempenhado pelo token no projeto.
4.Criptoativo caracterizado como Valor Mobiliário
Quando um determinado criptoativo representa um valor mobiliário, o emissor e demais agentes envolvidos estão obrigados a cumprir as regras do mercado de valores mobiliários e podem estar sujeitos à regulação da CVM.
Isso pode acontecer em duas situações:
(i) quando o criptoativo representar qualquer dos valores mobiliários previstos no rol taxativo do art. 2º da Lei 6.385/76 e/ou na Lei nº 14.430/2022; ou
(ii) quando se enquadrar no conceito de contrato de investimento coletivo (inciso IX da Lei 6.385/76).
É importante esclarecer que o conceito de contrato de investimento coletivo é bastante aberto e foi inspirado em um precedente da Suprema Corte dos EUA, de onde se extraiu o “Teste de Howey”, utilizado tanto pela SEC quanto pela CVM para aferir se um ativo é ou não um valor mobiliário nessa modalidade.
Mas, apesar de se basear da doutrina e jurisprudência americana, a CVM argumenta que pode ter entendimentos diferenciados dos da SEC americana, uma vez que apesar da origem e inspiração, isso não determina identidade conceitual e interpretativa. Na prática, isso significa que nem sempre dá para prever o entendimento que será adotado pelo órgão, onde existe um grau de discricionaridade e subjetividade maior do que o desejado.
Atualmente, o Colegiado da CVM vem considerando as seguintes características como determinantes para definir se algum ativo é ou não um contrato de investimento coletivo:
(i) representar um INVESTIMENTO, aporte em dinheiro ou bem econômico;
(ii) ser FORMALIZADO por um título ou contrato, independentemente de forma específica, entre o investidor e ofertante;
(iii) expectativa/promessa de REMUNERAÇÃO ou benefício econômico decorrente de participação, parceria, remuneração ou até prestação de serviços, relacionados ao sucesso da atividade abaixo;
(iv) ESFORÇO do empreendedor ou de terceiro: benefício econômico resulta da atuação preponderante de terceiro que não o investidor; e
(v) OFERTA PÚBLICA, esforço de captação de recursos junto à poupança popular.
4.1.Expectativa de Benefício Econômico
Em relação a esse ponto do “Teste de Howey”, é importante mencionar que esse benefício deve resultar diretamente do resultado do empreendimento, ou dos esforços do empreendedor ou de terceiros, e não de fatores externos, que fogem ao domínio do empreendedor, como uma valorização normal do mercado, decorrente da lei da oferta e procura, por exemplo. A CVM esclarece que tokens que estabeleçam direito de participação nos resultados do empreendimento, recebimento de dividendos, acordos de remuneração, por exemplo, terão preenchido esse requisito.
Aplicado aos projetos de tokens especificamente, fica aqui a dúvida se a queima (“burn”) programada de tokens pelo ofertante, com objetivo de reduzir a oferta e, consequentemente, aumentar o valor dos tokens, aumentando consequentemente a remuneração dos tokens holders, pode ser considerada pela CVM como preenchedora desse requisito do “Teste de Howey”.
4.2.A Questão da Oferta Pública
A oferta pública de valores mobiliários tem previsão legal específica[1], além disso, como os projetos de criptoativos costumam ser realizados sempre pela internet e de forma globalizada, sem limitação de jurisdição, os Pareceres de Orientação da CVM nºs 32 e 33 de 2005 também se aplicam, pois tratam, respectivamente, (i) sobre o uso da Internet em ofertas de valores mobiliários e na intermediação de operações; e (ii) sobre a intermediação de operações e oferta de valores mobiliários emitidos à negociação em outras jurisdições.
No entanto, apesar da Oferta Pública possuir definição específica na regulamentação, o fato é que não existe uma definição legal de Oferta Privada, que não exige autorização da CVM para realização. E esse aspecto, que é bastante delicado, é abordado no Parecer de Orientação nº 40, onde a CVM aponta que a exibição de página contendo ofertas de tokens que representem valores mobiliários apenas para usuários identificados por login e senha, apesar de esse ser um mecanismo de prevenção mencionado no Parecer de Orientação nº 32/05, não obrigatoriamente implica em uma Oferta Privada.
Ou seja, esse aspecto específico é deixado totalmente ao critério discricionário da CVM, no caso concreto, para decidir se trata de uma Oferta Pública ou Privada de valor mobiliário.
Vale destacar o trecho do Parecer sobre esse ponto:
“Nesse sentido, a existência de mecanismos de prevenção de acesso a páginas contendo ofertas de valores mobiliários e a inexistência de divulgação específica sobre uma oferta, isoladamente, não têm o condão de afastar o caráter público de uma oferta. Devem ser levados em consideração outros aspectos do caso concreto para avaliar a efetividade da medida, tais como o número de investidores alcançados e o número de subscritores, entre outros.”
5.Derivativos e Ofertas por empresas estrangeiras
O Parecer nº 40 expressamente menciona os Derivativos de criptoativos, que configuram valor mobiliário por expressa disposição legal (derivativos). Além disso, também aborda a questão das ofertas públicas de tokens que representam valores mobiliários realizadas por empresas estrangeiras para residentes no Brasil, as quais precisam de autorização da CVM, além do registro da empresa no Brasil.
6.Regime Informacional e Transparência
A CVM informa que adota o princípio da ampla e adequada divulgação, prestigiando a transparência em relação aos criptoativos. O sistema de divulgação de informação é um instrumento destinado a atingir a finalidade de que os investidores possam decidir de modo informado, por seu próprio juízo de mérito.
A regulamentação da CVM é aplicável e deve ser observada quando da realização de oferta pública de criptoativos que sejam valores mobiliários, destacando-se as normas:
(i) sobre o registro e a prestação de informações periódicas e eventuais dos emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados de valores mobiliários – Resolução CVM nº 80/22; e
(ii) sobre as ofertas públicas de distribuição primária ou secundária de valores mobiliários e a negociação dos valores mobiliários ofertados nos mercados regulamentados
(iii) a Resolução CVM nº 88/22, que dispõe sobre a oferta pública de distribuição de valores mobiliários de emissão de sociedades empresárias de pequeno porte realizada com dispensa de registro por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo; e
(iv) a Resolução CVM nº 86/22, que dispõe sobre a oferta pública de distribuição de contratos de investimento coletivo hoteleiro.
Além disso, o mercado secundário de criptoativos deve ocorrer em mercados organizados que possuam autorização da CVM, nos termos da Resolução CVM nº 135/22. Deve-se observar, ainda, a aplicabilidade das normas relacionadas à:
(i) prestação de serviços de depósito centralizado de valores mobiliários;
(ii) prestação de serviços de compensação e liquidação de valores mobiliários; e
(iii) prestação de serviços de escrituração de valores mobiliários e de emissão de certificados de valores mobiliários.
Além disso, é importante também observar as informações necessárias previstas em outras regulamentações específicas que possam ser úteis, a depender do tipo de projeto que se está tratando.
Nesse sentido, percebe-se do Parecer que a CVM recomenda que os ofertantes apresentem o maior número de informações possíveis e ainda elenca algumas específicas relacionados à tokenização, que devem ser incluídas:
(A) Informações sobre os direitos dos titulares:
– Emissor dos tokens e todos os participantes da oferta
– Descrição das atividades do emissor e terceiros participantes
– Direitos dos titulares sobre os tokens, remuneração, votação, valorização, mercado secundário
– Método de consenso, política monetária de emissão
– Canais de suporte, SLA
– Eventuais taxas e custos
(B) Informações sobre Negociações, Infraestrutura e Propriedade dos Tokens
– Vantagens claras da utilização da tecnologia
– Desvantagens e comparação com os métodos tradicionais
– Aplicabilidade dos serviços de depósito centralizado de valores mobiliários, compensação e liquidação, custódia, escrituração e de emissão de certificados de valores mobiliários;
– Descrição da gestão da propriedade dos tokens, se o investidor poderá ter o controle da chave privada, se a custódia será delegada, se haverá um prestador de serviços contratado para oferta, a exemplo de intermediário na subscrição de uma oferta, de custodiante ou de depositário, e dos ativos que servem de lastro para os tokens (sejam ativos reais ou puramente digitais, como NFTs – Non-Fungible Tokens)
– Regras de governança, métodos de KYC/AML
7.Disposições Gerais
O Parecer menciona que a CVM mantém seu entendimento sobre Fundos e criptoativos, não inovando nesse sentido. Faz um breve resumo do Sandbox Regulatório informando que descumprimentos da regulamentação de valores mobiliários estão sujeitas à Stop Orders e processos administrativos e criminais.
A CVM também reafirma sua disponibilidade para consultas sobre o tema.
[1] Lei 6.404/76 e Lei 6.385/76 e Resolução CVM 160/22.
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