Você sabe onde estão os assuntos que envolvem propriedade intelectual na sua empresa? No jurídico, P&D, marketing? Parece estranho, mas nem sempre (ou não totalmente), a gestão de marcas, patentes, desenhos industriais, direitos autorais e outros direitos de propriedade intelectual estão sob os cuidados do departamento jurídico de empresas.

Por muito tempo, a gerência de propriedade intelectual e assuntos regulatórios da Natura Inovação e Tecnologia de Produtos, onde tive o privilégio de trabalhar lá no início dos anos 2000, era a responsável tanto por PI quanto por assuntos regulatórios. Nós ficávamos dentro da diretoria jurídica, mesmo os profissionais do jurídico sendo da Natura Cosméticos, outro CNPJ, por conta da estrutura daquela época.

Passados alguns anos, depois da evolução de nossos estudos sobre como melhorar os processos internos, estudarmos o mercado de inovação, aprendermos sobre melhoria contínua e até alguns de nós nos tornarmos Green Belt e responsáveis por encontrar lacunas nos processos, decidimos que a parte jurídica de PI deveria ficar com a diretoria jurídica e a parte “técnica”, com foco mais em inovação, com P&D.

Deu muito certo, a integração melhorou, passamos a participar ainda mais dos projetos de inovação da empresa e possibilitou que, de fato, estivéssemos contribuindo para a melhor proteção e gestão dos direitos sobre as criações da empresa.

Só que nem sempre os desenhos organizacionais são assim. E, quando não são, os assuntos envolvendo PI, quando estão 100% no departamento jurídico, acabam convivendo com um cobertor curto – cobre um lado, o legal, mas pode acabar deixando o outro, mais técnico, descoberto.

E o que acontece quando o departamento jurídico não possui os recursos necessários para acompanhar os processos de inovação e gerir os respectivos ativos?

Há, na minha opinião, ao menos 3 consequências:

  1. aumento do risco de a inovação deixar de possuir potencial para uso exclusivo – produto pode ser disponibilizado ao consumidor antes mesmo de ser requerida a proteção da tecnologia como patente. Nesse caso, a maior consequência para a empresa é não poder impedir terceiros de copiarem o seu produto e, nessa hipótese, anos de investimento em pesquisa e desenvolvimento “escorrerão pelo ralo”;
  2. aumento do risco de infração a direitos de terceiros – produtos podem ser lançados sem que a marca seja pesquisada ou que seja efetuada uma análise de liberdade de exploração da tecnologia. Não são raros os casos e, quando ocorrem, empresas precisam, do dia para a noite, alterar suas marcas ou suspender a venda de produtos para não infringirem direitos de terceiros e correrem o risco de pagar percentual de faturamento aos reais detentores dos direitos; e
  3. perda de direitos – porque não adianta somente requerer a proteção da marca, patente, desenho industrial no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (“INPI”) e deixar de acompanhá-los. Anuidades, quinquênios, prorrogações precisam ser providenciados tempestivamente para evitar que processos sejam arquivados e os direitos “liberados” para uso ou, sendo marca, para proteção em nome de terceiros.

Tais consequências não ocorrem porque o jurídico “gosta menos” do assunto PI ou porque as demais áreas não o acionam quando preciso. Os profissionais desse departamento podem estar mais ocupados com prazos processuais, análise de contratos, questões trabalhistas ou porque simplesmente o departamento não possui um profissional especializado ou dedicado.

Diante desses desafios, quais medidas podem ser usadas pelo jurídico para uma melhor gestão dos ativos intangíveis?

Cito abaixo algumas sugestões que funcionaram naquela época de Natura, funcionam até hoje e outras que, nos clientes que atendemos aqui no escritório, apresentaram impactos positivos não apenas nos processos, mas também geraram eficiência com a consequente redução de custos na gestão:

  • criação e implementação de políticas de propriedade intelectual para definir uma matriz de responsabilidades, como e quando as áreas devem acionar o jurídico, dentre outros aspectos. Políticas dessa natureza que determinam que quando algo é criado, por exemplo, devem buscar o auxílio do jurídico, auxiliam na redução significativa dos dois primeiros riscos que apontei acima;
  • realização de treinamentos constantes para disseminar a cultura de propriedade intelectual e como o jurídico pode auxiliar na proteção e gestão dos ativos;
  • utilização de um sistema automatizado capaz de acompanhar os processos de marcas, patentes, desenhos industriais e software no INPI;
  • criação e implementação de regras de contratação/negociação de propriedade intelectual própria e de terceiros para agilizar a negociação de contratos que envolvam tais direitos; e
  • quando não houver um headcount no departamento que viabilize a existência de um advogado de PI e/ou de um especialista em patentes, terceirização de parte ou totalidade das atividades com a contratação de um escritório especializado.

Possivelmente nem todas as sugestões acima serão aplicadas, mas, começando por ao menos uma delas e criando um cronograma para a implementação das demais e outras mais aderentes a cada tipo de empresa, com mais ou menos inovação, eu não tenho dúvida de que os resultados serão percebidos muito rapidamente!

 

© 2023 – Maysa Zardo – Sócia do MCZ Advocacia

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