A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) recentemente emitiu stop-order determinando a suspensão da negociação de tokens de recebíveis na plataforma Mercado Bitcoin. A decisão acendeu um alerta para empresas e investidores sobre a importância de estruturar corretamente ativos digitais para evitar que sejam classificados como valores mobiliários sem a devida autorização.
A decisão da CVM contra a oferta do Mercado Bitcoin
No dia 11 de março de 2025, a CVM publicou a Deliberação nº 896, determinando que o Mercado Bitcoin suspendesse a oferta e intermediação de tokens atrelados a fluxos financeiros de direitos creditórios cedidos por um FIDC Não Padronizado. Segundo a autarquia, essa prática configurava uma oferta irregular de valores mobiliários, já que os tokens eram comercializados sem autorização.
A consequência foi a imposição de uma stop-order, que proíbe a continuidade dessas operações, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 caso a determinação não seja cumprida.
O episódio reacendeu o debate sobre quais critérios definem se um token se enquadra como valor mobiliário e os riscos de ofertar esses ativos sem o devido enquadramento regulatório.
A deliberação reforça que qualquer participante que distribua tokens ou outros ativos com características de valores mobiliários precisa obter a devida autorização da CVM para intermediação, além do prévio registro e aprovação da oferta. Isso significa que, mesmo no contexto da inovação financeira, os players do mercado devem seguir o arcabouço regulatório vigente para garantir segurança jurídica e proteção aos investidores.
Tokens com distribuição recorrente de renda podem ser valores mobiliários
A regulamentação do mercado de criptoativos no Brasil ainda está em construção, mas a CVM já deixou claro que o formato e a finalidade do token importam mais do que a tecnologia utilizada para sua emissão. O Parecer de Orientação nº 40, publicado pelo regulador em 2022, estabelece critérios que ajudam a definir se um ativo digital pode ser classificado como valor mobiliário.
Entre os principais fatores analisados pela CVM estão:
- Se o token representa um investimento coletivo, ou seja, se os compradores esperam retorno financeiro sem precisar atuar ativamente na operação;
- Se existe a expectativa de benefício econômico, seja por direito a alguma forma de participação, parceria ou remuneração, decorrente do sucesso da atividade;
- Se os rendimentos dos tokens dependem do esforço de terceiros para gerar lucros;
- Se distribuídos por oferta pública.
Se um token atende a essas características, há grande chance de ele ser considerado um valor mobiliário, o que significa que sua oferta deve seguir as regras aplicáveis do mercado de capitais.
O papel da CVM e as discussões regulatórias sobre VASPs
Embora as Consultas Públicas nº 109, 110 e 111, promovidas pelo Banco Central, sejam um passo fundamental para a definição das regras de autorização das Plataformas de Prestação de Serviços de Ativos Virtuais (VASPs) no Brasil, é importante lembrar que a CVM continua tendo competência para atuar contra a distribuição de ativos que se enquadrem como valores mobiliários.
Isso significa que, independentemente da regulação dos VASPs pelo Banco Central, a CVM mantém autoridade para fiscalizar e punir ofertas consideradas irregulares, de tokens ou outros ativos digitais, que apresentem características de valores mobiliários. Empresas que atuam nesse setor precisam se atentar não apenas às futuras normas do Banco Central, mas também às regras já vigentes da CVM para evitar penalidades e garantir conformidade regulatória.
A importância da separação entre tokens e valores mobiliários
Para empresas que trabalham com tokenização, é essencial evitar qualquer estrutura que possa gerar confusão com valores mobiliários tradicionais, como debêntures, cotas de fundos de investimento ou contratos de investimento coletivo. Isso exige atenção a alguns pontos críticos:
- O modelo de distribuição deve ser bem definido: tokens que oferecem retorno financeiro baseado no esforço de terceiros são candidatos a serem regulados pela CVM.
- A oferta deve seguir as diretrizes regulatórias: em alguns casos, pode ser necessário registrar a oferta ou estruturas acesso privado e restrito a determinado grupo de investidores.
- Evitar promessas de rentabilidade fixa ou previsível: se um token promete retorno garantido ou vinculado ao desempenho de um ativo financeiro, há grande risco de que seja enquadrado como valor mobiliário.
Muitas empresas ainda acreditam que, pelo fato de um ativo estar baseado em blockchain, ele não precisa seguir a regulamentação tradicional. No entanto, a CVM tem adotado a tese defendida por Emília Campos em sua obra[1], sobre a natureza jurídica híbrida dos criptoativos, onde sua classificação como valor mobiliário não depende da tecnologia usada, mas sim do modelo de negócio subjacente.
Conclusão
O caso analisado é um sinal claro de que o mercado de tokenização precisa evoluir em termos de conformidade regulatória. Tokens que oferecem fluxos financeiros previsíveis e recorrentes podem ser considerados valores mobiliários e, por isso, devem estar devidamente registrados na CVM.
Além disso, mesmo com o Banco Central assumindo a regulação dos VASPs, a CVM continua com competência para fiscalizar qualquer oferta de ativos que se enquadrem como valores mobiliários.
Para que o mercado de ativos digitais continue crescendo de forma sustentável no Brasil, é fundamental que as empresas sigam as diretrizes do Parecer de Orientação nº 40 e garantam que suas ofertas estejam estruturadas de maneira compatível com a legislação vigente. O avanço da tokenização depende de segurança jurídica, clareza regulatória e respeito às normas do mercado de capitais.
Laércio Morais
[1][1] Criptoativos e Blockchain Tecnologia e regulação, Ed. Forense, pág. 48.