CVM CRIA O LEAP E ASSUME: O MERCADO DE ATIVOS VIRTUAIS TEM LIÇÕES PARA O MERCADO TRADICIONAL
Na última semana, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deu um sinal claro de que está olhando com muita atenção para as inovações que vêm do universo dos ativos digitais. O lançamento do LEAP (Laboratório de Experimentação, Aprendizado e Prototipagem) em parceria com a Federação Nacional de Associações dos Servidores do Banco Central (Fenasbac), vai além de uma simples iniciativa de inovação. Trata-se de uma declaração objetiva: o mercado tradicional tem muito a aprender com os prestadores de serviços de ativos virtuais (PSAVs) e com as tecnologias que surgiram no ecossistema blockchain.
Entre os principais desafios que motivaram a criação do LEAP, estão problemas que o mercado de criptoativos já enfrenta, e, em muitos casos, já desenvolveu soluções robustas.
DESAFIOS ESTRUTURAIS QUE O MERCADO CRIPTO JÁ ENFRENTA HÁ ANOS
O primeiro grande desafio está na interoperabilidade e na liquidez de ativos. O mercado de crowdfunding, por exemplo, ainda sofre com ambientes fragmentados, plataformas que não se conversam e um processo de negociação lento e burocrático. Isso reduz drasticamente a liquidez desses ativos. Curiosamente, esse é um problema que o ecossistema de ativos digitais vem endereçando há anos por meio de soluções como bridges cross-chain, protocolos interoperáveis, atomic swaps e padrões tokenizados, como o ERC-3643, que garantem compatibilidade entre redes e ativos de forma programável.
Outro ponto sensível é a rastreabilidade e o compliance regulatório. No mercado tradicional, garantir o monitoramento e supervisão de operações e ofertas exige processos custosos. No entanto, no ambiente cripto, a rastreabilidade é encontrada em soluções como Chainalysis, TRM Labs e Elliptic, que operam com monitoramento em tempo real, utilizando inteligência artificial para detecção de riscos, atividades ilícitas e lavagem de dinheiro. Além disso, conceitos como Identidades Descentralizadas (DID) e Verifiable Credentials estão estabelecendo um novo paradigma de compliance automatizado e digital.
SUSTENTABILIDADE, TOKENIZAÇÃO E NOVOS MERCADOS
O desafio de criar um mercado de carbono confiável, rastreável e transparente também não é novidade para o universo dos ativos digitais. Protocolos como Toucan, KlimaDAO e C3 foram pioneiros na criação de mercados de carbono on-chain, onde cada crédito é tokenizado, sua origem é rastreável em tempo real e a governança é feita por meio de contratos inteligentes. Isso permite não apenas maior liquidez, como também mais segurança e transparência, pontos que agora começam a ser buscados pelo mercado organizado brasileiro, especialmente diante da implementação da legislação para o mercado regulado de carbono.
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, COMPLIANCE E SUITABILITY
A CVM também aponta como prioridade a adoção de inteligência artificial para automação de processos de compliance (RegTech), melhorias internas no próprio órgão regulador (SubTech) e suporte à administração de carteiras. Esses são campos que o setor de ativos digitais já explora intensamente. Plataformas que operam no ambiente DeFi, por exemplo, já fazem uso de IA para análise de risco, detecção de manipulação de mercado, balanceamento automático de carteiras e precificação dinâmica de ativos.
Por fim, surge um desafio que toca diretamente na experiência do investidor: o aprimoramento do suitability. O mercado tradicional busca formas de tornar esse processo mais eficiente e ajustado às necessidades dos investidores. No ecossistema cripto, essa necessidade é ainda mais urgente, considerando a volatilidade extrema dos ativos e a complexidade dos produtos. Por isso, começam a surgir modelos de suitability dinâmico, baseados no comportamento on-chain dos usuários e na análise contextual de riscos em tempo real.
REFLEXÕES SOBRE O FUTURO DO MERCADO
O lançamento do LEAP sinaliza uma transformação relevante. A partir do momento em que o mercado de capitais organizado adota tecnologias, práticas e modelos de governança inspirados no universo dos ativos virtuais, algumas fronteiras começam a desaparecer. A tokenização deixa de ser uma promessa e passa a ser infraestrutura de mercado. O compliance se torna programável e audível em tempo real. E a governança, que tradicionalmente dependia de processos presenciais ou registros cartoriais, passa a ocorrer on-chain, com assembleias digitais e votação automatizada via smart contracts.
OPORTUNIDADE REAL PARA PSAVS E O ECOSSISTEMA CRIPTO
O LEAP não é apenas um laboratório de discussões teóricas. Ele abre espaço para que startups, PSAVs, exchanges, desenvolvedores, universidades e até DAOs contribuam diretamente com o desenvolvimento de soluções para o mercado de capitais brasileiro. As inscrições estão abertas até 29 de junho de 2025. Para o ecossistema de ativos digitais, trata-se de uma oportunidade histórica de levar ao ambiente da CVM as práticas e tecnologias que já fazem parte do seu dia a dia.
Laércio de Morais Junior