LÍNGUA DE GATO: TÁ NO GATO, TÁ NO CHOCOLATE… E AGORA TÁ LIBERADO
Uma decisão recente da Justiça Federal movimentou o mercado de propriedade intelectual e trouxe reflexões importantes para quem atua com branding e estratégia de marcas. Em abril de 2025, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) decidiu que a tradicional expressão “Língua de Gato” não poderia ser de uso exclusivo da marca Kopenhagen.
A disputa judicial teve início quando a Cacau Show, por meio de sua controladora Allshow, questionou o registro da marca “Língua de Gato” concedido à Kopenhagen pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Alegou-se que o termo é uma expressão genérica, utilizada internacionalmente desde o século XIX para designar chocolates com formato alongado, achatado e com pontas arredondadas — semelhante à língua de um gato e, portanto, não poderia ser apropriado por uma única empresa.
Confesso que, particularmente, sempre imaginei que “Língua de Gato” fosse uma criação distintiva da Kopenhagen. Jamais me ocorreu que o termo tivesse raízes tão antigas e, menos ainda, que se tratasse de uma expressão descritiva com significado próprio no universo dos chocolates. Essa constatação mostra o quanto a história das marcas pode ser surpreendente e como a percepção do consumidor nem sempre reflete a natureza jurídica dos sinais distintivos.
A origem da expressão, aliás, remonta à Alemanha do século XIX. Naquela época, fabricantes de chocolate passaram a produzir pequenas barras com formato comprido, fino e levemente curvado, batizadas de “Katzenzunge”, que, em tradução literal, significa “língua de gato”. O termo rapidamente se popularizou na Europa como nome genérico para esse tipo de produto, independentemente da marca. Com o tempo, atravessou fronteiras e chegou ao Brasil, onde foi adotado pela Kopenhagen na década de 1940.
Na decisão, o tribunal ressaltou que permitir a exclusividade da expressão comprometeria a livre concorrência e impediria que outras empresas utilizassem um termo historicamente associado a uma categoria de produto. Com isso, o registro da marca foi anulado, permitindo que outras fabricantes também possam usar “Língua de Gato” para descrever chocolates com o formato característico.
A decisão estabelece um precedente importante para o setor, especialmente no que diz respeito à proteção de termos descritivos ou de uso comum. Ela reforça a importância de atenção redobrada na escolha de nomes de marcas: quanto mais distintivo e único for o sinal, maior será a proteção jurídica e menor o risco de perda da exclusividade no futuro.
Mais do que nunca, o caso da “Língua de Gato” reforça que a força de uma marca vai muito além do nome. Ela está na forma como a empresa se comunica, na experiência que entrega e na conexão que estabelece com seu público. Identidade visual consistente, narrativas bem construídas e valores claros ajudam a sustentar o valor de mercado, mesmo quando o nome deixa de ser exclusivo do ponto de vista jurídico.
Este episódio é um lembrete de que, no mundo das marcas, tradição e reconhecimento popular nem sempre garantem proteção legal e que conhecer a origem e o significado dos termos utilizados é parte essencial de qualquer estratégia de branding.
Processo: 5067817-26.2020.4.02.5101
Maysa Zardo