A tokenização de ativos reais é o próximo passo na pulverização da utilização do Blockchain. Um grande passo, não há dúvida, essencial à difusão do sistema em setores mais conservadores da economia e que irá, consequentemente, firmar de uma vez por todas a tecnologia Blockchain, para além das criptomoedas.
Recentemente algumas iniciativas muito promissoras vêm tentando viabilizar a tokenização de diversos tipos de ativos, que variam de commodities e obras de arte a imóveis, como é o caso da plataforma Latoken[1], e da utilização de computação em nuvem, proposta da Golem[2], unindo todas as facilidades e custos reduzidos da troca de tokens à segurança do valor de um ativo extrínseco à plataforma digital.
O que, entretanto, podemos esperar em relação à possibilidade de tokenização de participações societárias? Em relação aos tão usuais acordos de acionistas para recebimento de dividendos, seria possível automatizar o cumprimento de condições e termos objetivos por meio de um smart contract? Seria possível trazer, de uma vez por todas, o dia-a-dia societário para o Século XXI?
Com certeza, essas não são perguntas fáceis, talvez nem mesmo possam ser respondidas com a certeza devida. É bem verdade, porém, que empresas como Google, Apple e Tesla, já possibilitam, por meio da plataforma LAToken, a tokenização de suas ações, mas, se a legislação já apresenta inexorável atraso em relação a qualquer inovação, o ordenamento jurídico brasileiro parece superar o razoável.
Basta notar que, enquanto a Suíça (FINMA) acabou de aprovar o primeiro conjunto de diretrizes regulamentares específicas para os ICO’s (Initial Coin Offering), o Brasil ainda enfrenta contradições entre a Comissão de Valores Mobiliários e a Receita Federal a respeito da própria natureza das criptomoedas.
E é interessante mencionar que, apesar de empresas listadas em bolsa estarem entre a classe de ativos mais líquidos, liquidez é algo que varia enormemente no mercado de ações entre os países, de 0,2% em Luxemburgo a 480% na China[3]. Além disso, o mercado de ações listadas em bolsa ainda é inacessível para muitos investidores em razão do alto custo da listagem nas corretoras internacionais. A utilização do Blockchain e o custo reduzido podem ajudar a aumentar o número de investidores nessa área, além de aumentar a transparência e reduzir a possibilidade de fraudes.
Pois bem, quando falamos de companhias de capital aberto, comercializadas em bolsa, a tokenização não parece trazer grandes dificuldades jurídicas, pois as ações têm caráter puramente patrimonial e os tokens funcionam como a representação digital das ações. A situação fica mais nebulosa, entretanto, quando tratamos da possibilidade de tokenização de cotas de participação nas sociedades limitadas, uma vez que não se pode ignorar que este tipo societário tem como uma das principais características o intuitu personae e a presunção de affectio societatis entre aqueles que compõem o seu quadro societário, o que impediria a comercialização dos tokens no mercado secundário.
De fato, é inviável imaginar que um terceiro completamente estranho à sociedade possa, a partir da aquisição de tokens digitais no mercado secundário, passar a participar de modo efetivo da rotina social da empresa.
Por outro lado, em março de 2017, o Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI), por meio da Instrução Normativa nº 38/2017, alterou a redação do item 1.4, II, alínea “b”, do Manual de Registro de Sociedades Limitadas para autorizar expressamente a emissão de quotas preferenciais, ou seja, sem direito a voto, em sociedades limitadas. Nessa esteira, esta parece ser uma saída para o problema, pois ao tratarmos de quotas preferenciais, que não ofereçam direito a voto, e demais prerrogativas de um sócio comum, parece razoável que as mesmas possam, sim, ser oferecidas pela sociedade de modo similar ao que ocorreria com as ações de uma sociedade por ações.
Outro aspecto interessante quanto a tokenização de quotas ou ações sociais é a possibilidade de utilização de smart contracts para garantir o cumprimento das regras do acordo entre os sócios. No entanto, não há dúvida que apenas as regras de natureza essencialmente objetivas, como pagamento de dividendos, por exemplo, poderão ser objeto desse processo de automatização do acordo, possibilitado pelo smart contract.
Veja bem, não nos referimos aqui aos chamados Ricardian contracts, que são meras representações semânticas digitais de um acordo entre contrapartes, sem a autoexecutabilidade inerente aos smart contracts, mas de codificações de contratos que permitam justamente sua execução automática, o que implica na necessidade, por vezes, de validação de informações de fora da cadeia.
Para isso existem os “oráculos”, que traduzem informações fornecidas por uma plataforma externa e fornecem os dados necessários para desencadear a execução dos smart contracts quando os termos originais são atendidos. Essas condições externas podem ser índices de reajustes, temperatura, valores de referência, etc.
Aguardamos, para um futuro próximo, um forte desenvolvimento de plataformas unificadas e integradas para a comunicação entre smart contracts e as informações exteriores, o que certamente vai também ajudar a aumentar a usabilidade desse instituto.
Emília Campos e Alan Oliveira
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