O caso do pagamento de direitos autorais por música ambiente em hotéis, mesmo durante a pandemia, reflete a consolidação da ideia de que os direitos autorais, especialmente os patrimoniais, devem ser remunerados, independentemente das circunstâncias econômicas enfrentadas pelos estabelecimentos comerciais. Essa decisão reafirma a importância de proteger os criadores em um cenário onde a reprodução pública de suas obras contribui para a experiência do cliente e, indiretamente, para o lucro das empresas.

No contexto da Inteligência Artificial (“IA”), surge uma nova camada de desafios na remuneração de artistas e detentores de direitos autorais. A IA pode criar obras derivadas ou até mesmo gerar conteúdos completamente novos baseados em bancos de dados que incluem músicas, imagens ou textos de artistas humanos. O paralelo com o caso dos hotéis é evidente: assim como se reconhece a necessidade de pagar direitos pela reprodução de músicas em ambientes comerciais, a utilização de obras humanas como base para treinar modelos de IA deve ser igualmente compensada.

Contudo, inegável que maiores são as dificuldades no caso de IA. É muito mais difícil identificar e rastrear quais obras foram utilizadas para treinar IA, em comparação com a reprodução pública de músicas em um espaço físico como um hotel.

Além disso, enquanto os direitos autorais sobre músicas em hotéis são regulados por entidades como o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (“ECAD”)[1], o uso de obras em treinamento de IA ainda carece de regulamentação robusta em muitos países, incluindo o Brasil, deixando artistas vulneráveis.

Sem contar que, determinar o valor justo que um artista deve receber quando sua obra é utilizada em treinamento de IA ou em conteúdos derivados gerados pela IA é um tema complexo e ainda pouco explorado.

Nesse cenário, o marco regulatório da IA[2], atualmente em tramitação no Congresso brasileiro, tem um papel crucial. Ele busca estabelecer diretrizes claras para o desenvolvimento e uso da IA incluindo mecanismos para proteger os direitos autorais e assegurar a remuneração justa dos criadores.

O debate gira em torno de como regulamentar o uso de obras protegidas em conjunto de dados de treinamento, garantindo transparência e compensação financeira para os titulares dos direitos. Essa discussão pode trazer maior equilíbrio entre inovação tecnológica e a valorização do trabalho criativo.

Assim como a decisão judicial[3] que condenou o Beach World Park Hotel ao pagamento de direitos autorais ao ECAD, pelo uso de músicas em seus espaços, mesmo durante período da pandemia da Covid-19, enfatizando a responsabilidade do hotel em remunerar artistas, o avanço das tecnologias de IA exige uma regulamentação que assegure aos criadores uma remuneração justa pelo uso de suas obras, mesmo em ambientes digitais.

O marco regulatório da IA representa uma oportunidade para o Brasil adotar soluções inovadoras que conciliem o progresso tecnológico com a proteção dos direitos autorais, garantindo que os artistas continuem a ser incentivados a criar e contribuir para a cultura.

Maysa Zardo

[1]  https://www4.ecad.org.br/

[2] Projeto de Lei n° 2338, de 2023 – https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/157233

[3]  Processo 1030082-78.2024.8.26.0576

Maysa Zardo
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