A última vez que precisei ajuizar uma ação de indenização por concorrência desleal por imitação da identidade visual de um site na internet, para a constituição da prova da prática do ato foi preciso enviar um portador ao cartório de títulos e documentos para elaboração de uma “ata notarial”, já tão conhecida dos advogados.

Basicamente, a ata notarial é um documento no qual o cartório, que tem fé pública garantida por lei, certifica formalmente o que está vendo naquele determinado endereço da internet, naquele exato dia e horário. A depender do número de páginas do site, já cheguei a pagar algo em torno de mil e oitocentos reais por uma ata notarial.

E porque os advogados procuram um cartório para elaboração da ata? Para garantir ao documento obtido na internet credibilidade para sua aceitação em juízo, em razão da fé pública que é atribuída aos cartórios por força da legislação.

Agora vamos supor que, ao invés de produzir essa prova por meio de uma ata notarial, eu decida fazer isso utilizando uma das plataformas de autenticação digital já existentes, baseadas na tecnologia Blockchain. A pergunta que sempre me fazem essas palestras sobre esse tema é: mas o Judiciário vai aceitar a prova produzida com base nessa nova tecnologia?

Não é uma pergunta que pareça simples, apesar da resposta ser. O objetivo da ata notarial é dar fé pública à constatação de fatos, coisas, pessoas ou situações, para comprovar a sua existência ou o seu estado em determinado momento, onde o cartório atua como o terceiro “garantidor” de confiança

E uma das funções do Blockchain é justamente fornecer um registro de timestamp, ou seja, uma constatação confiável, imutável e rastreável de dia e horário. Utilizando-se um plugin, por exemplo, ainda é possível verificar a autenticidade do conteúdo da página na internet, demonstrando computacionalmente que aquele conteúdo foi exibido naquele momento.

A utilização do Blockchain para produção da prova acima é, efetivamente, um exemplo de substituição da confiança atribuída pela lei a um terceiro, nesse caso o cartório, pela tecnologia. Isso é descentralização. Além de reduzir o custo, ainda diminui o risco de falha e interferência de motivações humanas, como corrupção, por exemplo.

De acordo com o Código de Processo Civil, provas são todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados, hábeis para provar a verdade dos fatos em que se fundam a ação, exceto quando apenas um documento específico é aceito como prova, como no caso de documento público.

Nesse sentido, não há dúvida que, a não ser em caso de exigência expressa de documento público, qualquer meio hábil de provar a verdade deve ser aceito, o que certamente inclui o registro de autenticidade obtido por meio do Blockchain, somado ao incremento de segurança e confiabilidade do conteúdo.

É certo que, em razão de desconhecimento técnico mais aprofundado sobre o assunto e a própria dificuldade e atraso inerente à instituições como Legislativo e Judiciário no entendimento e adoção de novas tecnologias, é possível que surjam questionamentos sobre a validade jurídica da prova produzida por meio do Blockchain, e até mesmo entendimentos destoantes, a exemplo das decisões judiciais suspendo o serviços do Whatsapp ou condenando o Uber em reclamações trabalhistas.

No entanto, eventual resistência inicial pode ser facilmente afastada com uma perícia judicial, no primeiro ou segundo caso. Com a constatação das características da tecnologia e do que ela propicia em termos de segurança e idoneidade para a coleta de provas, os próximos casos certamente não deverão enfrentar a mesma resistência.

De qualquer forma, para que isso aconteça é importante que os advogados desafiem o Judiciário, no bom sentido, a se debruçarem sobre o assunto, submetendo provas nesse formato e despachando com os juízes, no trabalho de educação e expansão dessa nova tecnologia, em busca de um processo mais célebre, barato e seguro.

©2017 Emília Malgueiro Campos

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