Uso ilícito ajuda a explicar por que cripto indexada ao dólar movimenta 9 vezes mais que o Bitcoin, a moeda digital mais famosa
Alvos constantes de operações de combate ao contrabando, alguns lojistas da região da rua 25 de Março, em São Paulo, adotaram um novo meio de driblar as autoridades na compra de produtos para reabastecer os estoques: criptoativos que funcionam como “dólares digitais”, capazes de ser enviados em segundos para fornecedores no exterior.
A remessa ilegal de dólares conhecida como dólar-cabo virou o cripto-cabo. Ela começou com o Bitcoin (BTC), mas, recentemente, passou a ser adotada em larga escala usando a Tether (USDT), criptomoeda indexada à moeda americana e que, por isso, não sofre volatilidade. O ativo é comprado sem a devida declaração ao Banco Central, que não enxerga uma operação de câmbio camuflada — ou seja, evasão de divisas.
Fontes ouvidas pelo InfoMoney afirmam que esta é uma prática conhecida de importadores que declaram compras com valores a menor e pagam a diferença usando criptos. Eles se valem do caráter anônimo e da falta de controles das criptomoedas para enviar dinheiro para fora do País sem declarar operações de câmbio – e sobretudo sem informar que são destinadas à importação de bens.
As transações de USDT no mercado ilegal ajudam a explicar a dominância desta criptomoeda nas apurações da Receita Federal a partir de reportes de corretoras de ativos digitais. Somente no ano passado, R$ 109,3 bilhões passaram pelo crivo do órgão, quase 69% do total das declarações envolvendo todos os criptoativos no País — incluindo o mais famoso, o Bitcoin (BTC).
Em 2023, a USDT ficou ainda mais hegemônica. Dados referentes ao primeiro trimestre (os mais recentes divulgados até aqui) apontam que, dos R$ 45,2 bilhões em movimentações declaradas de criptos, R$ 37,1 bilhões foram de USDT. O dólar digital já responde por 82% do mercado cripto brasileiro, e movimenta 9 vezes mais que o BTC.
Em entrevista concedida na semana passada ao InfoMoney (confira a íntegra no vídeo acima), o diretor de tecnologia da Tether, o italiano Paolo Ardoino, afirmou que, se brasileiros utilizam a criptomoeda para realizar remessas internacionais sem declarar e recolher impostos, a culpa não pode ser atribuída ao ativo digital.
“A evasão fiscal não é um problema que começou com Bitcoin, não é um problema que começou com stablecoins. É um problema que também é nosso, as pessoas estão sonegando impostos”, falou. “Não é a tecnologia que comete evasão fiscal. Quando as pessoas decidem praticar atividades ilícitas, não é culpa da tecnologia, é culpa das pessoas”.
Segundo o executivo, o crescimento da criptomoeda USDT no Brasil se dá por sua facilidade de uso, já que funciona como uma versão digitalizada do dólar que pode ser armazenada no smartphone.
Segundo apurado pela reportagem, no entanto, o número bilionário em movimentações não está ligado ao usuário comum de varejo, mas a um esquema de empresas de fachada que intermediam a remessa de dólares para o exterior – em determinados casos, como pagamento pelo contrabando que abastece algumas lojas da 25 de Março.
Contatada, a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) disse não ter conhecimento sobre o caso. Representantes da União dos Lojistas da Rua 25 de Março (UNIVINCO) não foram localizados.
O Ministério Público Federal em São Paulo diz desconhecer crimes com esse teor. Já o Banco Central, perguntado sobre a evasão de divisas com uso de criptoativos, disse que não irá comentar.
A Receita Federal, no entanto, confirmou que está ciente da situação e reconhece que doleiros têm, cada vez mais, empregado criptomoedas em suas transações. O órgão diz estar atento e empregando esforços para fiscalizar e repreender o crime em questão.
Fonte: INFOMONEY
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