Embora a primeira Organização Autônoma Descentralizada, mais conhecida como DAO, tenha surgido em 2016 com a criação da The DAO, esse ainda é um conceito não totalmente compreendido. A ideia de DAO já havia sido teorizada anteriormente, mas foi a The DAO, na rede Ethereum, que representou a primeira implementação prática significativa. Desde então, o ecossistema de DAOs evoluiu consideravelmente – o mesmo não se pode dizer do entendimento jurídico sobre o tema.
Ao analisar a regulamentação das DAOs ao redor do mundo, percebe-se um esforço contínuo para “encaixar o círculo no quadrado” – um reflexo comum da resistência humana diante de inovações radicais. A tendência é recorrer a estruturas jurídicas já existentes, fazendo apenas adaptações pontuais, ao invés de construir modelos regulatórios que realmente compreendam a essência do fenômeno.
Mas DAO é um círculo, e o que existe em termos legislativos hoje é quadrado. A regulamentação de Abu Dhabi, por exemplo, exige que as DAOs se submetam a um processo de incorporação formal, incluindo organograma, declaração de compliance, identificação de beneficiários finais e licenças operacionais. Além disso, impõe uma estrutura mínima de governança, com pelo menos dois membros fundadores ou detentores de tokens.
Essas exigências contradizem frontalmente o próprio conceito de Organização Autônoma Descentralizada. Em vez de inovar para encontrar mecanismos adequados de atribuição de responsabilidade civil em organizações descentralizadas, as regulações atuais insistem em moldar as DAOs ao formato tradicional de empresa – um modelo que claramente não se encaixa.
Em Cayman Islands, o cenário é semelhante: para serem reconhecidas, as DAOs precisam apresentar um contrato social, registrar-se no órgão de empresas e indicar tanto um gerente local quanto um corpo de diretores. Bizarro.
A falta de compreensão começa pela própria natureza das DAOs e as responsabilidades que poderiam recair sobre elas. Essas organizações têm finalidades bastante específicas e sua governança pode ser inteiramente baseada em smart contracts. Diante disso, não faz sentido exigir um gerente ou um corpo diretivo – se há uma estrutura tradicional de governança, a organização não é descentralizada e, portanto, não é uma DAO.
Vamos imaginar uma DAO dedicada à emissão de certidões negativas, operada exclusivamente por smart contracts e oráculos que consultam se determinado CPF possui dívidas com a prefeitura e, com base nisso, emitem a certidão. Essa DAO teria uma única função, inteiramente automatizada. Exigir uma estrutura gerencial para um sistema assim seria um contrassenso.
Uma DAO de verdade não precisa de outro modelo de governança além da própria tecnologia que a rege. E é exatamente por isso que qualquer organização que depende de um grupo de pessoas tomando decisões não é uma DAO, mas uma empresa convencional.
Quando se parte dessa premissa, fica evidente que a maioria das organizações que se autodenominam DAOs, na realidade, são entidades centralizadas que, frente à regulamentação existente, acabam assumindo responsabilidades jurídicas idênticas às de uma empresa tradicional. O que falta não é apenas regulação adequada, mas compreensão real do que significa descentralização.