A regulamentação do uso medicinal da Cannabis caminha no Brasil, desde 2015, a passos irregulares, um para frente e dois para trás. Mas o que está por trás dessa agenda tão restritiva do regulador brasileiro, não obstante seu entendimento já quase pacificado de que se trata de uma planta com diversas capacidades medicinais?

Falta de pesquisa científica, resultado de anos de proibição, preconceito e falta de interesse político para colocar o assunto para andar da forma como deveria, certamente influenciado por lobbys e conflitos de interesse entre grandes corporações e até grupos religiosos. Sim, esse é o Brasil.

O tema do uso medicinal da cannabis é tratado atualmente no Brasil por duas importantes regulamentações da Anvisa, a RDC 327/19, que trata dos produtos produzidos e comercializados no Brasil, e a RDC 660/22, que dispõe sobre a importação de produtos derivados de cannabis.

Mas ainda seguem proibidos: 1) o uso recreativo; e 2) o cultivo, colheita, importação, extração e manejo no Brasil. A situação da prescrição de tratamentos com cannabis na área veterinária também não está definida, não obstante o Ministério da Agricultura e Pecuária tenha sinalizado que a situação deve mudar logo.

A proibição de cultivo, colheita, extração e manejo da planta tem sido resolvida com a judicialização do tema, não apenas pelas associações, mas também pelos próprios pacientes, por meio de Habeas Corpus. E isso tem acontecido cada vez mais, em benefício dos pacientes, já que o Estado não tem cumprido seu papel de legislar para atender as necessidades de saúde de seus cidadãos.

Vejam que, conforme prevê a Resolução 660/22, as empresas não podem desenvolver atividades com produtos derivados da cannabis no Brasil, já que a norma trata apenas da importação de produtos para uso pessoal. Se um paciente necessita de um produto derivado da cannabis, prescrito por um profissional de saúde, deve importá-lo para seu uso, não podendo comercializar o produto no Brasil.

A Resolução 660/22 também menciona expressamente que não é permitida a importação de produtos que contenham partes da planta in natura, inclusive de flores, mesmo que pulverizadas e apresentadas em forma farmacêutica. No entanto, com base em uma análise caso a caso, a Anvisa vinha deferindo pedidos individuais de pacientes, baseados em prescrição de profissional médico habilitado, para importação da flor in natura para uso medicinal fumado ou vaporizado.

Porém, no último dia 19/07/2023, a Anvisa publicou a Nota Técnica 35/2023, confirmando que a RDC 660/22 veda a importação da planta e partes da planta, incluindo flor, e que, portanto, isso está proibido a partir de então, com um período de 60 dias de transição para as autorizações que já estão em curso.

A Nota Técnica considerou como fundamento o “alto grau de risco de desvio para fins ilícitos e a vigência dos tratados internacionais de controle de drogas dos quais o Brasil é signatário.” Diante desse panorama, os pacientes que se tratam com essa forma farmacêutica terão duas opções: procurar junto com seus médicos uma nova alternativa terapêutica ou judicializar a questão, com base nas próprias autorizações anteriores, com boas chances de êxito.

© 2023 Emília Malgueiro Campos – sócia

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