MP 1303/2025: UMA REFORMA DISFARÇADA DE ARRUMAÇÃO?

Se você piscou, perdeu: no dia 11 de junho, saiu a Medida Provisória nº 1303/2025 — e com ela veio um novo “manual de instruções” para a tributação de aplicações financeiras no Brasil, incluindo, claro, os já nada exóticos ativos virtuais.

A MP foi apresentada como um pacote de modernização. Mas será que é mesmo uma revolução tributária? Ou só uma reorganização esperta de regras que já estavam espalhadas por aí?

Spoiler: tem um pouco de cada coisa.


1. O que a MP 1303 realmente muda

Vamos aos fatos. Entre os dispositivos que efetivamente representam mudanças jurídicas concretas, destacam-se:

1.1 Alíquota única de 17,5%

Esqueça a tabela progressiva para ganho de capital (15% a 22,5%) e a velha isenção de até R$ 35 mil mensais para venda de ativos (inclusive cripto). Agora, qualquer ganho será tributado à alíquota fixa de 17,5%.

Impacto: Quem operava com isenção mensal? Vai pagar. Quem operava volumes muito altos? Vai pagar menos. Quem achava que estava “invisível” no radar da Receita? Já pode atualizar o GPS.

1.2. Compensação expressa de perdas

Finalmente um alento! A MP permite a compensação de perdas com ganhos em ativos financeiros, inclusive criptoativos, dentro de um intervalo de até cinco trimestres anteriores.

Na prática, isso aproxima os ativos virtuais do tratamento já dado a ações e derivativos negociados em bolsa.


2. O que já existia e só foi reorganizado

Aqui é onde muita gente se confunde (ou finge que confunde):

2.1. Rendimentos com staking, cashback, payback

Essas formas de remuneração com criptoativos já eram tratadas como rendimentos tributáveis. A MP não cria essa incidência — ela apenas sistematiza e dá cara de “regra oficial” ao que já constava em soluções de consulta como a COSIT 214/2021.

2.2. Retenção na fonte

A obrigação de reter IR na fonte já existia quando o rendimento era pago por uma fonte localizada no Brasil. A MP apenas consolida entendimento trazido na solução de consulta COSIT 184/2024, e impõe a retenção de 17,5% pelas corretoras e instituições intermediárias brasileiras.


3. Autocustódia e ativos no exterior

A Receita já entendia que ganhos com cripto em carteiras próprias ou no exterior deveriam ser tributados como ganho de capital. A MP não inventa esse entendimento. Apenas o expõe com todas as letras.


4. Para além do mundo cripto

A MP também afeta a forma de apuração e tributação de rendas financeiras em geral, incluindo: Fundos de investimento, Renda fixa, Debêntures e CRIs, Certificados de Operações Estruturadas, Derivativos, Títulos públicos e qualquer engenhoca financeira que envolva rendimento variável.

Ou seja, essa MP não é só sobre cripto — é sobre tributar com mais eficácia a multiplicidade de instrumentos que desafiam o Fisco com criatividade financeira (e jurídica).


5. E quanto à apuração?

A apuração dos resultados passa a ser trimestral, com recolhimento via DARF. E sim, isso é melhor do que a antiga apuração mensal — embora continue sendo uma tarefa árdua para quem não tem controle eficiente das operações.


6. É simplificação ou só aumento de arrecadação com storytelling?

O governo diz que a MP busca “harmonizar o regime de tributação”. Pode até ser. Mas o que se vê é uma medida com:

• Alívio para quem ganhava muito (redução da alíquota máxima)
• Aumento de carga para quem operava no limite da isenção
• E maior previsibilidade para a Receita, que agora pode autuar com uma legislação mais enxuta na mão.

A cara é de organização. O cheiro é de arrecadação.

 

7. O que você — empresário, investidor ou prestador de serviço — precisa fazer?

Se sua empresa remunera clientes com cripto (staking, cashback, token de fidelidade), verifique se haverá retenção obrigatória.

Se você investe em cripto ou ativos financeiros fora do Brasil, organize seus dados de custo e apure os ganhos com mais rigor.

Se presta serviços financeiros, avalie os impactos dessa sistematização sobre sua estrutura de compliance.

Se ainda acha que “cripto não é regulado”, recomendamos uma boa xícara de café e a leitura completa da MP 1303.


Conclusão

A MP 1303 não é o apocalipse regulatório que alguns preveem — mas também está longe de ser só uma reorganização inocente.

Ela é o equivalente fiscal a arrumar o armário… e cobrar entrada para olhar.

Ou, para quem preferir metáforas jurídicas: é uma consolidação com efeitos retroativos na carteira.

Agora é o momento de:

• Revisar políticas internas
• Atualizar sistemas contábeis
• E alinhar seu planejamento tributário com as novas regras do jogo

Porque o jogo mudou. E o árbitro está com uma lupa (e um DARF) na mão.

Emília Malgueiro Campos

 

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